terça-feira, 3 de maio de 2011

Sobre os filmes e suas legendas

É hábito corrente, entre pessoas que gostam bastante de cinema, achar que um filme visto com o áudio da dublagem é um sacrilégio imperdoável e que quem ousa adotar tal prática é um herege.

Há bastante tempo, convivo próximo a pessoas que gostam e entendem bastante de cinema.  E isso sempre me acrescentou bastante, costumo aprender com quem convivo. Mas isso também me trouxe algumas conversas nas quais tive que exercitar argumentos contrários aos dos meus interlocutores. E um dos temas reincidentes nestes diálogos – por vezes triálogos – era a tal da virtude ou não de se assistir a filmes dublados.

Pois então, nos idos anos em que se locava fita VHS, ou pegávamos uma fita dublada ou legendada, nunca uma com os dois recursos, era a linearidade ainda conduzindo nossa percepção e fruição dos produtos culturais como o cinema. Poder escolher o idioma do áudio ou da legenda ou uma combinação entre um e outro dentro de uma mesma mídia, foi uma Torre de Babel construída pelo DVD.

Desde muito cedo, descobri que gostava de ler e, ainda assim, nunca gostei de filmes legendados, minha intuição pueril me dizia que aquilo era subentender um filme. Achava, na verdade, estranho que as pessoas locassem um filme legendado. Devo dizer agora, para que esse texto ganhe um sentido mais convincente, que cresci em meio a fotografias e, por isso, talvez tenha sido alfabetizado primeiro pelas imagens e só depois pelas letras.

Bem, hoje ainda é bastante comum que as pessoas continuem assistindo aos filmes legendados apesar de terem a opção de vê-los dublados, ação essa ainda considerada um sacrilégio. Tecem-se argumentos em prol da legenda:

- Ela é mais fiel ao texto original;
- Ela valoriza a interpretação do ator;
- Ela mantém uma qualidade de som melhor;
- Ver filme dublado é coisa de quem não sabe ler;
- As dublagens são pouco convincentes;

E outros que, provavelmente, tenha-me esquecido. Mas esses argumentos nunca me pareceram convincentes. Sempre os entendi e, eventualmente, concordei com eles, mas não os avaliava como convincentes.

Então, vou romper agora um silêncio de anos e vou dizer o que penso sobre isso: acho que essa compreensão é um logocentrismo. Herança de uma sociedade que tinha na palavra escrita uma forma de dominar e subjugar quem não conseguia decifrá-la. Para o Ocidente a idéia de cultura sempre esteve associada mais ao livro do que a imagem, ao contrário do Oriente e até de parte da Europa. É como se a imagem fosse analfabeta. Esse é um raciocínio meio sociológico.

O raciocínio meio fisiológico é o seguinte: uma obra cinematográfica não é feita para ser lida. Óbvio, é feita para ser vista. E quando nosso olho foca uma legenda, ele desfoca a imagem e, portanto, desfoca a mensagem principal da obra audiovisual. A visão humana não consegue focar dois elementos em planos diferentes de uma só vez.

Há ainda a justificativa técnica: uma obra audiovisual é concebida, planejada, normalmente para ser compreendida principalmente pela visão daí a necessidade, por exemplo, do story board de planejar cada enquadramento de um filme, o som, merece atenção, mas uma atenção menor se comparada a que a imagem demanda. Um argumento que pode ratificar essa afirmação é o fato de existir “cinema mudo” (ok, reconheço o problema desse termo, existiam as orquestras, mas vocês estão me entendendo, né?) mas não existe cinema “cego” (ok, sei que existe a audiodescrição, mas vocês estão me entendendo outra vez, né?).


Por fim, existem outros argumentos, mas vou deixar para os comentários, caso sejam necessários. Concluo dizendo que acho mais respeitoso assistir a uma obra audiovisual dublada do que legendada. Quero ler o que vocês têm a dizer, acho que essa discussão deve render, até.

5 comentários:

  1. Comentário de Silvio Carneiro, via FaceBook:

    Meu Capitão, o sr. é realmente FODA!
    Concordo totalmente com este texto impecável e esclarecedor até pra mim, que sou um leigo no assunto.

    Mas como não é do meu feitio concordar por concordar, devo dizer que o que me leva a ter um pensamento próximo ao de vossa senhoria é a minha opinião de que devemos fazer bom proveito de toda a tecnologia ao nosso dispor.

    Quando o VHS (Video Home Sistem) foi lançado, muitos defendiam ardorosamente que aquilo era um atentado ao cinema, pois tirava, em muitos casos, toda a amplitude e qualidade das imagens, etc. Depois, vem o DVD, o Blue Ray, o 3D e sabe-se lá mais o que virá pela frente, todos com opções de interatividade entre o produto e o consumidor, incluindo a interatividade de escolher os idiomas. E eu pergunto: Por que não fazer isso disso? Que "puritanismo" tolo é esse que habita a alma de muitos apreciadores da sétima arte?

    Penso que as tecnologias devem, sim, ser usadas. Eu não vou assistir um filme chinês se não for dublado, ponto. Porque, pra mim, a estética dos filmes chineses é bonita de ser vista. Porque eu não tenho a mínima noção da língua chinesa e pra mim as falas dos atores não passarão de grunhidos sem sentido e, consequentemente, as legendas, tanto quanto a dublagem me soariam artificiais da mesma forma. Portanto, escolho a dublagem, pois pelo menos eu aprecio as imagens sem maiores problemas.

    Bom, acho que é isso. Tô apenas levantando a bola para o debate...
    Grande abraço!

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  2. Comentário de Roni Moraes, via Facebook:

    A imagem é poderosa em todos os sentidos. Digo isso lembrando que as catedrais ao longo da história se firmavam em usá-las em demasia devido ao atendimento dado a um público analfabeto. Um filme com legenda soa melhor pra mim, mas algumas dublagens são satisfatórias. Portanto, delego a imagem a autoridade que lhe é peculiar devido sua quase que instantanea leitura, mas a legenda tem seu valor. Parabéns pelo texto Alexandre abs

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  3. Alê... já conversamos tanto sobre isso, né? Acho que nestes tempos só tenho aprofundado a opinião que vc já conhece.

    Ainda damos pouca importância ao som como recurso narrativo no cinema, que consideramos "o templo da imagem". Deixamos de perceber que os diálogos não são simples textos lidos (ou interpretados), mas são elementos importantes para criar uma atmosfera para uma história que está sendo contada. Não falo isso pela carga de emoção presente na interpretação original, que se perde bastante na dublagem (ainda que já tenhamos avançado muito nisso. O Brasil se destaca em qualidade de dublagem para cine no mercado mundial). Falo mais pela sonoridade e pela melodia típica de cada língua, que é substituída radicalmente numa dublagem, perdendo uma parte vital da história, sua ambientação.

    Imagina o que é assistir "Deus e o Diabo na terra do sol" em espanhol... Perdendo todo o sotaque típico do nordeste que, para nós que conhecemos tanto, identifica imediatamente o espaço, o tempo, a temática... tudo fica com ar de melodrama mexicano... De verdade, não me parece ser a mesma história...

    Purismo? Não sei... Acho que permaneço ainda muito relativista para ser "purista" em alguma coisa. Mas, o cinema me interessa como experiência total, não só como experiência imagética. Por isso acho importante o idioma original para viver a experiência de deixar-me envolver por uma história, por um lugar, por um tempo...

    Porém, há tantas situações diferentes... Há casos em que sim, a dublagem é a única forma de fazer um filme ser aceito num mercado... Filmes infantis em qualquer parte do mundo ou filmes estrangeiros que entram nos EUA, por exemplo... Filmes que são exibidos na TV aberta, para um público de diversos níveis e com um controle remoto a seu alcance, poderia ser outro exemplo... Os novíssimos filmes em 3D, onde é impossível ler qualquer coisa...

    As legendas não são nem de longe uma boa solução, em minha opinião. Tb acho que tiram a atenção da cena e nos limita em relação a percepção visual do filme. Ainda acho que não favorece muito a compreensão de aspectos sutis da linguagem (como uma ironia ou uma piada...). Tb me enchem o saco... Mas, depois de mais de cem anos de cine, ela tem sido uma das melhores alternativas encontradas, desde o cinema "mudo" (que a meu ver era bem sonoro...).

    Chaplin passou anos resistindo ao cinema "sonoro", entre outras coisas, porque não podia imaginar como se comunicar com palavras faladas com pessoas de idiomas diferentes (mas, já usava cartelitos deste sempre...). Para ele, sua linguagem era o corpo e isso era universal... As palavras limitavam sua arte.

    Entao... não acho possível um posicionamento único. Não posso dizer "Viva a dublagem, abaixo as legendas", ou tampouco o inverso... Tb não
    tenho a intenção de só consumir filmes em meu idioma... então, me resta conviver com a diversidade de situações que a interação multicultural de um mundo "globalizado" nos impõe... rsrsrs

    E sim... enquanto o controle remoto estiver em minhas mãos, vamos continuar assistindo filminhos com legendas...rsrsrs

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  4. Comentário de Karen Pimenta, via Face book
    Concordo com partes do teu texto, mas prefiro filme legendado e ainda, com legenda amarela.

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  5. Ótimo texto Alê!!!

    Concordo em parte...

    Quando era mais nova eu só gostava d assistir filme dublado, achava chato filme legendado, pois tinha q ler e assistir, daí me perdia... hihihihi

    Fui aprendendo a apreciar os filmes legendados e dependendo do filme penso q ganho mais o assistindo com legenda (de preferência amarela), pois o audio original em alguns casos é imprescindível, e outros são realmente feitos p valorizar a percepção visual, ou seja, com a legenda acaba quebrando a qualidade das informações visuais do filme.

    Entendo q a versatilidade é bem-vinda, dublado ou legendado, o q importa é o filme ser bom.

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