terça-feira, 28 de julho de 2009

Caroço falante


Dalcídio Jurandir, talvez o maior romancista da Amazônia, tem um livro chamado Chove nos Campos de Cachoeira, nesse romance, um garoto interage com um caroço de tucumã como se este fosse (e de fato era para o menino) um ente dotado de vida própria e dono de uma quase-personalidade, algo como acontece na animação Horton...


Sábado passado, conversei também com um Caroço e ele me pareceu também ter personalidade própria, ele falava, e tinha muitas histórias para contar, histórias daquelas que teimam em ficar se repetindo no cérebro mesmo horas depois de serem ditas...


Caroço, falando:
“- Trabalhei muito em garimpo. Tinha dia de gastar 300 gramas de ouro na currutela. Não tinha pena não. Era muita cachaça. Curti muito quando era novo. Tú é doido. Mas o trabalho era puxado. Eu caí cedo no trecho. Minha mãe morreu quando eu tinha 14 anos. Meu pai nunca me deu uma cueca...aí é roça...tinha que trabalhar...eu ia varar pra Serra Pelada mais quando cheguei lá tavam matando muita gente nas trilhas, aí eu fiquei com medo e fui pra um garimpo menor...”


“- Me afeiçoei por ela. Mas ela era menina moça. A única filha do velho. O resto era tudo homem. A gente namorou um ano escondido. Depois disso, ela falou que era pra eu pedi ela pro velho e eu fui né? Ele deixou...aí era bom que todo domingo eu ia pra casa dela e levava uma compra né? Nessa época era muito bom de foto aqui em Macapá...as pessoa ali naquele Araxá puxavam a gente pra bater foto...eu tava aprendendo ainda, o Tony, que já sabia mais, me passava uns macetes melhor e eu ia aprendendo...mais já dava pra ganhar dinheiro...aí eu fazia uma compra e levava pra passar o domingo na casa dela né? Eu comprei foi um terreno com um barraco 4x4 só com dinheiro das minhas fotinhas, sabia?”


“ – Hoje consegui comprar minha maquininha digital profissional. Mas eu tô cansado...pedalar nesse sol quente é difícil seu menino...eu trabalho, trabalho e não saio dessa bicicleta velha...mas minha máquina digital profissional eu consegui comprar né? Vou ver se até o fim do ano eu tiro uma moto pra mim né? Aí vai ficar bom pra fazer as entregas né?”

(...)

E Caroço, que é um dos tantos fotógrafos que vivem de eternizar momentos alegres das pessoas de Macapá se levantou, prendeu cuidadosamente “sua bolsa de fotógrafo com sua máquina fotográfica digital profissional” dentro na garupa da bicicleta cor do tempo, ajeitou o boné, sorriu, virou-se para a rua, deu dois passos com uma perna só para pegar impulso e se foi, assim como o sol que já estava se pondo...se não fossem os caros, os postes e os cruzamentos, talvez eu pudesse ter visto o Caroço sumir no horizonte, mas não deu.

3 comentários:

  1. No começo, eu achei que o tal caroço era fruto da tua imaginação, num estado de lombra, saca?
    Mas depois eu peguei o espirito da coisa... rsrs'
    Muuuito massa teu texto. E eu tbm quero uma máquina digital profissional. :D

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  2. COmentar??? Fii.. viva o Caroço...
    Não a cada dia fico mais pirada...
    Mas o que seria o mundo sem as loucuras da mente de Alexandre Brito...
    Como ele msm diria... EU SOU CRIATIVO...

    bjos

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  3. É justamente um caroço desses que falta na vida de muita gente, inclusive na minha. São essas pessoas que fazem com que a gente páre, olhe e siga. São os verdadeiros senhores do tempo - gente que tem muito pra ensinar, trocar e suscitar MUDANÇA!

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